Portugal, a Venezuela e a Lusofonia
Portugal está numa posição particularmente delicada. O regime venezuelano tem como reféns humanos algumas centenas de milhares de portugueses e luso-descendentes e já começou a fazer ameaças.
O caso da Venezuela é um exemplo paradigmático de como uma política externa realmente comum da União Europeia pode ser objectivamente contrária aos interesses de alguns países – neste caso, de Portugal.
Não que, neste caso, a União Europeia não tenha toda a razão. A Venezuela tornou-se numa anedota democrática, que só a extrema-esquerda indígena consegue (sem se rir) defender. Aceitarmos que o regime venezuelano, tendo perdido as eleições legislativas, poderia depois criar uma auto-proclamada Assembleia Constituinte para deslegitimar a Assembleia Legislativa, seria dinamitar todo o conceito de Democracia.
Simplesmente, Portugal está, neste caso, numa posição particularmente delicada. O regime venezuelano tem como reféns humanos algumas centenas de milhares de portugueses e luso-descendentes e já começou a fazer ameaças – nalguns casos, ainda de forma velada, noutros casos, já de forma bem audível.
Não temos dúvidas sobre o que pensa a grande maioria dessa comunidade sobre o regime venezuelano. Muitos dos membros dessa comunidade são comerciantes. Ora, atendendo à política do regime venezuelano, que (quase) tudo fez para entravar a iniciativa privada, com os resultados que estão agora à vista de todos, não custa adivinhar o que pensa a grande maioria da comunidade portuguesa e luso-descendente aí residente (ou já regressada) sobre o regime venezuelano.
No entanto, mesmo essa comunidade estará neste momento muito hesitante em expressar a sua oposição ao regime, por razões mais do que compreensíveis. Quando a nossa vida não está em jogo, é (demasiado) fácil fazer grandes proclamações de princípio. E, por isso, o Eixo Paris-Berlim (a trave-mestra da auto-proclamada política externa comum da União Europeia) fez a sua proclamação de princípio – certa, como dissemos, mas só compreensível porque, ao contrário de Portugal, nem a Alemanha nem a França têm interesses reais em jogo.
Imaginemos, entretanto, um outro cenário. Imaginemos que a turbulência social e política no Brasil leve a uma deriva autoritária. Imaginemos agora que, face a isso, o eixo franco-alemão queira impor uma posição similar à posição que agora assume em relação à Venezuela. Deve o Governo português, qualquer que ela seja, aceitar um corte de relações (ainda que por arrasto) com o nosso maior país-irmão? Nesse caso, a nossa extrema-esquerda iria decerto rejubilar (pois se já defenderam que Portugal não se deveria ter feito representar, ao mais alto nível, na tomada de posse de Jair Bolsonaro…), mas a resposta só pode ser um rotundo não. Não, não e não.
A Assembleia Nacional, após a eleição, não se quis dedicar a fazer leis mas sim a destituir o Presidente que havia sido eleito democraticamente. Acresce que não acatou a deliberação do Supremo Tribunal de Justiça que não havia aceitado a inclusão de três deputados por terem sido cometidas irregularidades flagrantes. Ora se a Assembleia Nacional não acata a decisão do Supremo Tribunal e entra em rebelião contra o poder executivo, aquilo que temos é um bloqueio institucional que só pode ser resolvido através de uma Assembleia Nacional Constituinte. O regime bolivariano não só tem de fazer frente a um bloqueio económico cada vez mais asfixiante como ainda é sabotado pelo desabastecimento programado da grande distribuição que está nas mãos das elites venezuelanas. Num cenário assim não é dificil elevar o descontentamento popular. Maduro não me agrada particularmente nem me convence com o seu discurso mas aquilo que se está a fazer ao seu regime é batota e da baixa. A redução da pobreza, o aumento de médicos por habitante e a subida no número de estudantes universitários, todos em números muito significativos, são algumas das grandes conquistas do chavismo que não devem ser desconsideradas.